sábado, 25 de agosto de 2012

Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas

A 32ª edição da Coleção Educação para Todos traz uma coletânea de 15 artigos mais uma introdução do amigo Rogério Diniz Junqueira, que organizou essa edição.
Com textos de Roger Raupp Rios, Guacira Lopes Louro, Alípio de Sousa Filho, Fernando Seffner, Jane Felipe, Alexandre Toaldo Bello, Luiz Mello, Miriam Grossi, Anna Paula Uziel, Paula Regina Costa Ribeiro, Guiomar Freitas Soares, Felipe Bruno Martins Fernandes, Dagmar Meyer, Wiliam Siqueira Peres, Ana Cláudia Bortolozzi Maia, Jimena Furlani, Lúcia Facco, Antônio Carlos Egypto, Denilson Lopes e de Rogério Diniz Junqueira a coletânea aborda vários perspectivas teóricas, mas traz também dados de pesquisas realizadas por essas autoras e outras.
Políticas públicas, práticas homofóbicas, mães lésbicas, pais gays, pais e mães de LGBTs, professoras e professores homossexuais, a travestilidade e transexualidade, educação infantil são alguns dos temas que se intercruzam ao se discutir escola, educação e homofobias.

A obra completa está disponível pela UNESCO  aqui

No artigo introdutório, Rogério Junqueira nos traz um breve resumo das obras selecionadas, transcrevo-as aqui:


Sobre os artigos
Em  Homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação, Roger Raupp Rios faz uma indispensável reflexão sobre o conceito de homofobia. Mediante uma exposição do estado da arte dos estudos psicológicos e sociológicos sobre preconceito e discriminação, procura compreender a discriminação homofóbica no quadro da reflexão acumulada sobre outras formas de discriminação, tais como o anti-semitismo, o racismo e o sexismo. Valendo-se de categorias do direito da antidiscriminação (tais como os conceitos de discriminação direta e indireta) e da identificação das formas de violência homofóbica engendradas pelo heterossexismo, o autor arrola possíveis 
respostas jurídicas à homofobia, no horizonte do paradigma dos direitos humanos, valiosas para se pensar em ações no espaço escolar. 
Da ótica dos estudos gays e lésbicos e da teoria queer, Guacira Lopes Louro, em Heteronormatividade e homofobia, analisa o processo histórico a partir do qual se verificou uma proliferação de discursos sobre a sexualidade e a necessidade de se marcar a homossexualidade e a heterossexualidade como bastante distintas, separadas. Na segunda metade do século XIX, enquanto a sexualidade se convertia numa “questão”, a norma heterossexual era produzida, reiterada e tornada compulsória, sustentando a heteronormatividade. Médicos, filósofos, moralistas e pensadores passaram a fazer proclamações e “descobertas” sobre o sexo, a inventar classificações de sujeitos e de práticas sexuais e a determinar o que seria ou não “normal”, “adequado”, “sadio”. Disso surgiram o “homossexual” e a “homossexualidade”, e as práticas afetivas e sexuais entre pessoas de mesmo sexo ganharam nova conotação, estabelecendose o par heterossexualidade-homossexualidade. Para garantir o privilégio da heterossexualidade, sua normalidade e sua naturalidade, investimentos de toda ordem foram postos em ação, em diversas instâncias. A manutenção da lógica que supõe que todas as pessoas sejam (ou devam ser) heterossexuais favorece a homofobia e, ao mesmo tempo, o medo e o fascínio pela homossexualidade. A pedagogia da sexualidade que daí emerge mereceria ser desestabilizada, reinventada e tornada plural.Alípio de Sousa Filho, em Teorias sobre a Gênese da Homossexualidade: ideologia, preconceito e fraude, procura demonstrar que uma longa história de colonização pelo preconceito, por meio da qual se representou a homossexualidade como uma exceção, um desvio ou uma inversão no quadro de uma pretendida (e compulsória) normalidade heterossexual, se fez acompanhar pelo desenvolvimento de estudos e teorias em busca de uma causa específica da homossexualidade. O autor sustenta que as formulações que procuram determinar a gênese da homossexualidade, dissimuladas como “teorias científicas”, configuram autênticas fraudes de ordem intelectual e moral. Enfatiza que estas teorias resultam da profunda ação da ideologia na cultura (e, nesse sentido, de uma visão social não inteiramente consciente) e que, por isso, sua desmistificação requer empenho sistemático. Afinal, mesmo quando denunciadas como obras do pensamento preconceituoso, elas tendem a não deixar de produzir efeitos no imaginário e de exercer sua influência deletéria sobre todas as pessoas, dentro e fora da escola.
Em  Equívocos e armadilhas na articulação entre diversidade sexual e políticas de inclusão escolar, Fernando Seffner analisa os desafios na implantação de políticas educacionais inclusivas que considerem os temas da diversidade sexual. O autor observa que o aparente consenso em torno da adoção de um modelo educacional deste tipo tende a desaparecer quando se depara com as demandas de inclusão de determinados públicos, especialmente o de estudantes homossexuais. Defensor do caráter laico da escola pública, considera as dificuldades resultantes de resistências relativas a questões morais e religiosas e da tensão com os movimentos organizados na defesa dos direitos de LGBT. Sugere ações que contribuam para a inserção dos temas da diversidade sexual nos currículos e a inclusão e a permanência de estudantes cuja orientação sexual é diferente da heterossexual.
Com o objetivo de discutir o conceito de gênero e de identidades sexuais e, mais especificamente, a construção das masculinidades na infância e na escola, Jane Felipe e Alexandre Toaldo Bello propõem o artigo  Construção de comportamentos homofóbicos no cotidiano da Educação Infantil. O trabalho suscita olhares sobre os sujeitos infantis masculinos e analisa de que forma determinadas representações de 
homem que se pretendem hegemônicas são acionadas e percebidas por crianças e educadores/as,especialmente no âmbito da Educação Infantil, produzindo nelas, desde a mais tenra idade, um esboço de homofobia e de misoginia.
Em A escola e @s filh@s de lésbicas e gays: reflexões sobre conjugalidade e parentalidade no Brasil, Luiz Mello, Miriam Grossi e Anna Paula Uziel discutem a inclusão das famílias homoparentais na nossa escola, considerada instituição central na construção da cidadania e na transmissão de valores democráticos. Observam que, nos 
últimos anos, a filiação tem se tornado um fenômeno cada vez mais presente nos lares de casais constituídos por pessoas do mesmo sexo e os debates sobre homossexualidade, conjugalidade e parentalidade vêm se ampliando em todas as esferas sociais. 
Diante desta realidade e do dever de a escola estar preparada para receber todas as crianças em um ambiente livre de preconceitos e de discriminações, as autoras e o autor buscam trazer elementos que auxiliem docentes e corpo diretor a acolher positivamente crianças cujos pais/mães vivam em situação de conjugalidade homoerótica ou que se reconheçam como gays, lésbicas e bissexuais. A partir de uma discussão sobre direitos humanos, cidadania e sexualidade, refletem sobre a diversidade da família como instituição social na contemporaneidade e sobre o processo de conquista de direitos civis relativos à liberdade de orientação sexual. Apontam elementos teóricos que contribuiam para o enfrentamento da homofobia e o apoio a estudantes que vivem em núcleos familiares que fogem ao modelo heterossexual.
Ambientalização de professores homossexuais no espaço escolar, escrito por Paula Regina Costa Ribeiro, Guiomar Freitas Soares e Felipe Bruno Martins Fernandes, retrata uma pesquisa em busca da compreensão acerca de como, no ambiente escolar, a sexualidade é tratada e se torna fator importante na definição identitária dos seus sujeitos e de suas relações sociais. Considerando a sexualidade como uma construção histórica e cultural, as autoras e o autor examinam narrativas de três professores gays e de uma professora lésbica, a fim de conhecer as formas em que se dão suas ambientalizações na instituição escolar. Das narrativas, emergiram registros de episódios relacionados à construção de suas identidades sexuais e de gênero, releituras de como se “perceberam homossexuais”, o que representou ser adolescentes homossexuais e hoje, enquanto docentes, a maneira com que “assumem” ou não essa identidade no espaço escolar.
A partir de um conjunto de pesquisas desenvolvidas sobre educação e relações de gênero, Dagmar E. Estermann Meyer propõe o artigo Corpo, violência e educação: uma abordagem de gênero. O trabalho explora algumas das formas pelas quais a violência se inscreve e se naturaliza em relações de poder de gênero. Sua premissa básica: é no contexto de relações de poder de gênero (naturalizadas, sancionadas e 
legitimadas em diferentes instâncias do social e da cultura) que determinadas formas de violência tornam-se possíveis. Sugere que a problematização dessas relações de poder de gênero pode apontar e delinear um campo de possibilidades especialmente significativo para reflexão e intervenção de educadores/as e isso, por sua vez, pode contribuir para minimizar, de forma importante, o exercício de algumas formas de 
violência de gênero, entre elas, a homofobia.
Em Cenas de exclusões anunciadas: travestis, transexuais, transgêneros e a escola brasileira, Wiliam Siqueira Peres discute, a partir de suas pesquisas sobre processos de subjetivação, o papel cumprido pela escola na promoção da inclusão e da exclusão socioeducacional de travestis, transexuais e transgêneros. Os depoimentos colhidos e analisados evidenciam um complexo quadro de experiências de preconceito, estigmatização, violência, exclusão e morte. Diante disso, o autor enfatiza a necessidade de urgentes reflexões a respeito das novas identidades sexuais e de gênero, a criação de espaços de respeito e convívio pacífico entre os atores que compõem as redes de ensino, fazendo com que as escolas constituam espaços de escuta, também dotados de diretrizes curriculares e projetos político-pedagógicos que promovam e garantam o efetivo enfrentamento da homofobia/travestifobia/transfobia e de seus 
processos de estigmatização.
Ana Cláudia Bortolozzi Maia, em  Sexualidade, deficiência e gênero: reflexões sobre padrões definidores de normalidade, reflete sobre a imposição social de padrões definidores de normalidade em relação às sexualidade e às assim ditas “deficiências”. 
As deficiências aqui estudadas são mentais e físicas, e a autora chama a atenção para o fato de que lidar com os ideais e os preceitos de normalidade hegemônicos em nossa sociedade é, para todos os indivíduos, um fardo, mas tremendamente mais crítico e penoso para as “pessoas com deficiência”. E mais: em questões de gênero e sexualidade, às “deficiências” somam-se ulteriores dificuldades impostas pelos padrões definidores de normalidade sexual, o que reforça preconceitos e gera discriminação. A autora ressalta a necessidade de se pensar criticamente esta questão no cenário da educação, uma tarefa indispensável para a construção de uma escola inclusiva e de uma sociedade democrática.
A educação formal e a escola se deparam, cada vez mais, com projetos, recomendações e diretrizes que trazem novas e inquietantes demandas. Reivindicam-se políticas afirmativas, inclusão curricular, formação para cidadania, promoção da eqüidade, respeito à diversidade etc. Jimena Furlani observa que, ao discutirmos a adoção de ações pedagógicas que tomem como tema a sexualidade, cabe perguntar que Educação Sexual queremos, que princípios e fundamentos ela apresenta, quais são os efeitos sociais desses saberes, a que sujeitos eles dão visibilidade e quem eles ocultam. Em “Direitos Humanos”, “Direitos Sexuais” e “Pedagogia Queer”: o que essas abordagens têm a dizer à Educação Sexual?, a autora busca explicitar e questionar pressupostos e implicações pedagógicas dessas três abordagens que mais se aproximariam de uma Educação Sexual voltada ao reconhecimento da diversidade, ao respeito à diferença e à problematização das desigualdades e das injustiças sociais. Seu interesse é pensar como a escola e as políticas públicas podem encontrar, nesses modos de tratar o assuntos, possibilidades didático-metodológicas que contribuam para a construção de uma sociedade menos sexista, 
menos racista e menos homofóbica.
No artigo As “diferenças” na literatura infantil e juvenil nas escolas: para entendê-las e aceitá-las, Lúcia Facco defende que, nos trabalhos de sala de aula com crianças e adolescentes, educadores/as possam se valer de textos literários que tragam de maneira nítida a questão das “diferenças” e, mais propriamente, a discussão que oportunize o aprendizado do respeito às diversidades de gênero, orientação sexual, 
classe, entre outras. Ao mesmo tempo, ao chamar a atenção para o fato de os textos literários também serem instrumentos poderosos na transmissão de visões de mundo, preconceitos e estigmas, sustenta que a necessária promoção do ensino de uma recepção crítica das mensagens se faça acompanhar de atitudes e de uma pedagogia por meio das quais educadores/as possam melhor incentivar e apontar novas possibilidades de desenvolvimento da cultura do respeito e do reconhecimento não só da diversidade sexual, como também das outras.
Orientação sexual nas escolas públicas de São Paulo, de Antonio Carlos Egypto, trata da importância, nas políticas públicas de educação, de implementar ações voltadas para promover a discussão sobre a sexualidades e os preconceitos nas escolas. O autor, entendendo a “orientação sexual” como conteúdo curricular e processo pedagógico tal como disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, oferece um 
relato acerca do desenvolvimento, pelo Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual, de um amplo projeto de formação de profissionais da educação junto à rede municipal de ensino na cidade de São Paulo, em 00 e 004. O projeto é aqui exposto em suas diferentes fases e aspectos, como os objetivos, os desafios enfrentados, a formação continuada de educadores, a postura, a metodologia e a dimensão alcançada por esse trabalho.
No bojo do debate acerca dos processos de construção de identidades e das disputas em torno de diferentes regimes de visibilidade/invisibilidade identitária LGBT, emergem fortes tensões entre os que defendem a adoção de aguerridas ações afirmativas e os que acreditam em formas mais sutis de militância. Entre os últimos, há ainda os que investem em atitudes ainda mais problematizadoras quanto aos pressupostos teórico-políticos de toda essa discussão. É onde se situa Denilson Lopes, em Por uma nova invisibilidade. Ele inicialmente observa que a invisibilidade social tem sido vista pelos movimentos políticos minoritários como um alvo a ser combatido, entendida como resultado da opressão social e histórica. No entanto, a partir de leituras das obras de Silviano Santiago e Caio Fernando Abreu, ele propõe uma reavaliação da invisibilidade como alternativa, seja para uma política de identidades LGBT estreita, seja para um transplante pouco reflexivo da teoria queer. Entre outras coisas, o autor observa o silenciamento dos temas relacionados à sexualidade em seus tempos de escola. Temas associados à sexualidade, deixados para as conversas de corredor ou, no máximo, tocados em aulas de biologia, não tinham vínculo com a vida. As eventuais aulas de educação sexual, à sombra da propagação da Aids, não contribuíam para o entendimento da sexualidade como parte da formação afetiva e política. A criação de espaço para a escuta teria pelo menos ajudado a redimensionar a sensação de isolamento.
Em Educação e homofobia: o reconhecimento da diversidade sexual para além do multiculturalismo liberal, Rogério Diniz Junqueira reflete sobre as potencialidades da diversidade sexual na formação educacional. Preconiza a problematização da homofobia na escola como meio de proporcionar educação de qualidade. Após discutir o conceito de homofobia e observar seus vínculos com a heteronormatividade e 
outros fenômenos discriminatórios, analisa estratégias de “negação” adotadas pelos interessados em seeximirem do enfrentamento da homofobia nas escolas e aponta equívocos na polarização entre universalismo e relativismo cultural. A partir de uma perspectiva construcionista, faz restrições às “políticas de identidade”, ao multiculturalismo liberal, aos postulados essencialistas, binários e “politicamente corretos” 
produtores de inclusão periférica, sempre vinculada a lógicas de domesticação, normalização e de subalternização. Considera indispensáveis para um novo modelo de cidadania: o reconhecimento da diversidade sexual a partir da ética democrática e dos direitos humanos e a desestabilização do sexismo, da heteronormatividade e do “narcisismo das pequenas diferenças”

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