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DOIS - genytalia.
"As coisas estão cheias de deuses" Thales de Mileto
CORPO A CORPO, esbarrei com a vida, ali e já, em onze
divisões de coisa ou caso.
Troquei com meu
namorado um beijo na boca, de amigo a amigo – uma desobediência. Mas
intencional. Viro diversão pública para os machos do ônibus, onde entro
primeiro assustado, depois irritado. Irrito-me porque não tive intenção de
desobedecer. Fico envergonhado de não ter peito para desobedecer também assim,
com beijos, e segurar as pontas. De toda forma, provoquei também ingenuamente
um escândalo em Copacabana e na madrugada da Ordem.
Não, argumentei
comigo – já que procurava lógicas e desculpas. Não foi um beijo estrondoso. Não
havia nele nem agressão, nem mesmo atrevimento. Ele não se queria um ato
público ou uma declaração de princípios ou uma petição de renovação.
Simplesmente se queria beijo, somente carinho, coisa de um amor qualquer amor.
Paguei,
atravessei a roleta, dei uns passos procurando um raro banco que de preferência
fosse esconderijo. Os olhos me interrogavam? Me acusavam!
Insuportável é
o olhar do outro que te torna outro grotesco. Insurportável é o olhar que te
cerca no descampado da calamidade da tua diferença. Insuportável é o olhar da
inquisição. E demorei o tempo de uma piscadela para me dar conta do estranho
que eu era, do flagelado que me fazia. Por causa de um beijo.
Objeto de uma
violência em potência, atravesso o corredor polonês até o assento que escolhi
num passeio nervoso como uma troca de ódios. Estou cheio de ódio. Nada pode ser
pior do que a vivenciação personificada do arbítrio e do preconceito em cima de
um só, que não encontra meio de resposta. A lei que nos segue, estamos em cada
ato fornecendo argumentos à nossa defesa ou inculpação. Jamais vivemos, criamos
álibis. Mais ainda, havia o clima interno e externo, abafado e tocaiado.
Prestes ao salto da ira, da fome, da vingança ou do mero berro.
Não se pode
chegar à revanche do preconceito a não ser levando-o ao extremo: à destruição
mesma do objeto do preconceito. Não queria me aniquilar. Esvaziei-me, por
autoproteção, do impulso vingativo. Nenhuma vingança resolve. Preferi me
refugiar na eloquente aspiração de justiça. Assim podia me limpar um pouco do
ódio.
Escolhi o banco
onde me instalei por instinto de preservação, já que vocês dois ostentavam nas
camisetas indícios de uma ideologia que me parecia protetora. E foi pior,
porque me senti cercado, vigiado. Traído.
A flor reativa
de uma vergonha inspirou-me a vontade covarde de coçar o saco, cuspir de lado,
qualé meu, pô, tá me confundindo, pisar tomp-tomp até pros – e nos – meus primos
da tribo, dita Esquerda. Meu saco, ó, taqui na esquerda, pega na boneca, vê,
saco de macho, morou?
-
Vi...a...dô!...
Perguntei-me,
refeito da floração de bobo irado, na necessária busca de mim em consciente: o
sexo se usa à esquerda? De fato si: genitalmente o saco se esgueira para a
canhota. Mas e à Esquerda? Há um futuro em preparação no sexo? Que séquisso.
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