terça-feira, 20 de novembro de 2012

De Felipe Areda, Manifesto Viado.


andava na rua e ao lado...
o grito que era constante...
do senhor que se julga decente,
honesto, cidadão, bom, importante,
do político sincero e decoroso,
do casto padre recatado,
do justo pastor honrado,
do pai dedicado e amoroso,
e outros que por juízo, julgamento, razão,
política, conceito, poder, absolvição,
perdão, mágoa, medo, indignação,
ódio, revolta, raciocínio, incompreensão
olhavam para mim e viam a cisão
do que diziam ser certo, natural, correto
olhavam pra mim e passavam direto
se arrastavam para a rua do outro lado,
se afastando do que dizem ser errado,
enquanto o lábio trêmulo murmurava,
com uma voz ríspida, rouca e brava,
um xingamento que de longe cortava:

viado!

dizia que eu rompia a lei de deus,
a lei da família e da natureza,
da comunidade, da humanidade, da certeza,
da identidade, da verdade, da clareza,
dos valores compartilhados, seus e meus,
mesmo que nem todas acreditassem nesse deus,
a ele deviam se submeter,
sempre
ser colocadas no lugar, aprender
sempre sempre
as pessoas devem seguir reto e a moral prevalecer
sempre sempre sempre
e eu não posso ser o que sou
foi o que disse o som uníssono que ecoou:

viado!

porque ser isso é ser dejeto,
animal,inumano,abjeto,
indigente, miserável, excreto,
a quem o ódio deve ser o único afeto.
eu não posso ser o que sou.
foi o que disse a professora que brigou
quando percebeu o menino feminino,

pouco masculino, afetado,
que não reagia, que não respondia
com a violência esperada de um macho
– deve ser a falta de referência, acho.
falta um pai, tio presente, um padrasto,
alguém que o leve a um puteiro para deixar de ser casto.
– deve ser influência da TV, acho.
daquele ator afetado, das músicas modernas,
dos cantores, das artistas, das badernas.
– que tal fazermos um despacho?
exorcizá-lo, benzê-lo, rezá-lo,
curá-lo, tratá-lo, interná-lo.
– talvez precise de psicólogo, de aconselhamento.
está só querendo atenção, carinho, acalento.
– precisa de surra, ferro quente,
porrada, tapa pra ser valente.
– precisa ser comido para aprender,
se é isso que gosta, agora vai ter.
– precisa ser apedrejado,
levar tiro, paulada, açoitado,
ser esfaqueado, morto degolado,
ter o corpo queimado, o rosto deformado.
ter o corpo jogado no lixo,
ser tratado que nem bicho,
porque é isso que é...
é bicha!

é viado!

no brasil, pelo que diz a mídia
um dos meus é morto a cada dois dias
deve ser mais,
mas de vida que não importa,
morte não faz notícia nos jornais.
os policiais, ladrões, boyzinhos, pais,
colegas, vizinhos, pessoas normais,
amigos, amantes, pessoas banais,
lembram que a homofobia mata,
que a discriminação maltrata
que preconceito solapa, ata e cala.
lembram que eu devo tomar cuidado,
estar atento com quem ando, converso e falo.
me masculinizar, não dar pinta.
não beijar quem eu amo em público,
não importa quanta vontade sinta.
mas tem hora que esqueço,
sou o que sou e pronto.

mas logo o homem a quem afronto,
me lembra, xinga e diz que mereço.
com a veia do pescoço em palpitação,
desvia os olhos dos filhos de minha direção
e grita alterado e em consternação:

viado!

e como a vida de quem não importa tanto importa,
por não ser direita, por ser torta,
por não ser bem cuidada, várias se dispõem a cuidar.
e as pessoas se reúnem, comentam, fofocam,
vigiam, monitoram, regulam, controlam
– será que ele é?
– se não é ainda vai ser...
vai ser o que não pode ser...
pois é o que nem mesmo é.

viado!
viado!
viado!

ora, não pense que me calo,
que apanho quieto e não falo,
que baixo a cabeça, saio e choro,
que corro, fujo e me apavoro.
não se engane, macho.
ora, não pense que desisto,
que me entrego, não revido,
que converto, me reverto,
que me torno o que você quer eu seja,
para você ter certeza de que não é

viado!

tem medo de que?
de que lhe contamine.
de que lhe perverta, transforme, corrompa.
que o desnaturado lhe desnature.
que os degenerados ameaçem seu gênero,
seu gene, gêneses, geração.
tem medo porque?
porque odeia o diferente
ou porque tem que me odiar para fazer de mim seu diferente?
não posso estar perto,
para que esteja certo,
do que é e não pode ser

viado!


pois então, deixa que eu me aproximo
chego perto, olhos nos seus olhos e digo
não adianta esmurrar, bater, matar,
você não vai conseguir nos calar,
nem a mim, nem a meus irmãos e irmãs,
gays, bichas, travestis, sapatas, lésbicas, transexuais,
proliferação de dissidentes, diversas, anormais.
gente que não é o que você é,
porque não quer ser,
porque não precisa ser,
porque não é e não vai tentar ser.
o que diz ser tormento,
pecado, crime, doença, desvio,
e usa como insulto, afronta, ultraje, ofensa e xingamento,
eu me digo com orgulho e anuncio:
se ser humano é ser isso,
afastar, odiar, temer,
matar, destroçar, corroer,
digo com força, coragem e viço
prefiro não ser
e ser
ser de outro jeito, por outra vida, por outra via...
...do jeito que sou e quero ser

viado!



felipe areda, viado e militante do coletivo de micro-políticas feministas corpus crisis.
*publicado em “O Miraculoso”. Brasília, maio de 2010. 3ª Edição.
felipe.areda@gmail.com

http://xa.yimg.com/kq/groups/19093994/926707161/name/manifesto+viado.pdf


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Qual pedagogia queremos?

Por Victor Augusto Vasconcellos:


"Sou transhomem, estudante de pedagogia e há algum longo tempo assumidamente transexual. Pois bem, sendo a pedagogia um curso de grande maioria de mulheres, inclusive em algumas classes sou o único homem, tenho poucas amigas no curso, a maioria mantém distância e tenho uma amiga que sempre acompanho até o carro depois da aula e algumas moças, alias moças machistas
da minha sala, advertem essa minha amiga que ela não deve andar comigo, porque nas palavras delas 'a minha amiga vai ver quando eu agarrar ela no estacionamento da faculdade, aí ela vai ver quem eu realmente sou'. 
Fiquei extremamente chateado com o preconceito que sofri, visto que sou transexual, é incrível como as pessoas ainda partem do principio que todo trans, ou mesmo que fosse gay tem a sexualidade extremada e aguçada, como se fossemos tarados ou estupradores em potencial, como se fossemos prontos para agarrar qualquer pessoa, em qualquer lugar, como se vivêssemos para transar. Tô loco então...
Não é assim! transexuais vivem uma vida como qualquer outra pessoa e são humanos, gostam, riem, odeiam, tem amigos, etc...
Segundo o que em muito me entristeceu é o fato de ser uma classe que já tive oportunidade de debater o assunto, já dei uma aula de 2 horas sobre transexualidade, todo mundo ouviu, todo mundo participou e o que muito me ajudou foi uma grande professora que em muito me apóia. Bom, mas diante disso, da discussão provocada, não esperava atitudes como essas.
Resumindo moças da minha classe, vcs são transfóbicas e machistas e pior ainda vão lecionar para crianças, reproduzindo preconceitos. Trans não são tarados.
Somos humanos e o que dificulta nossa existência não é o fato de ser trans e sim o preconceito das pessoas".

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A história LGBT de um país



A constituição das identidades é atravessada pelo passado que a representou, que a legitima e lhe diz alguma coisa. Qual a identidade LGBT de nosso país? Quem são xs LGBTs brasileirxs? Quem somos xs LGBTs brasileirxs?!
O processo de homofobias constitui-se em apagar o passado, negando referências para xs LGBTs que vem, deixando-nos a deriva num mar de injurias. É preciso saber o que aconteceu, o que foi produzido culturalmente por essas pessoas para podermos nos fortalecer e sabermos de outros de nós que existem no mundo e existiram no passado.
Dzi Croquettes é parte dessa história que demanda ser editada, organizada e divulgada.

       
O grupo revolucionou os palcos cariocas com seus espetáculos andróginos. Desobedientes e debochados, decidiram desrespeitar a ordem do regime militar com inteligência. Os sapatos de salto alto e as roupas femininas propositalmente exibiam as pernas cabeludas e a barba cultivada pelos homens do grupo. O primeiro show, em 1972, foi um grande sucesso, apesar de ter sido banido pelo Serviço Nacional de Teatro. A comédia de costumes era um deboche ao sistema de ditadura e à realidade brasileira. O grupo também fez muito sucesso na Europa, especialmente na França, onde levou platéias parisienses à loucura.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

100% dos royalties do Petróleo para qual educação?

Dos 565000 municípios brasileiros, apenas 79 contam com algum tipo de política pública para LGBT.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A primeira vez

Hoje foi meu primeiro dia como estagiário docente, com um amigo e professor muito dedicado que dá aulas de sociologia na escola há dois anos.

Constrangimento, esperança, tristeza e motivação são das emoções que me perfizeram nesse primeiro dia.

Do constrangimento básico de ser colocado diante de 20 pessoas e apresentado, do constrangimento dos olhares curiosos das alunas e dos alunos. De uma aluna muito fofa que puxou conversa comigo e me ofereceu doces, resultando em rubor e falta de ação diante de tanta delicadeza e sorrisos. 
Mas também constrangimento da realidade material, para não esquecer do barbudo, da falta de portas nas salas, da sujeira nas paredes, do rato no corredor, da lista extensa de alunas que estão afastadas da escola por estarem grávidas. Constrangimento de quem acostumado a ter, se depara com muitas faltas.

Da esperança de ver alunxs empolgados, engajadxs no projeto de rádio da escola, do interesse nos temas abordados. Da esperança de ver que a nerdizagem e puxa-saquismos na porta da sala dxs professorxs ainda existe e é muito massa (eu fazia isso!). Esperança nos relatos de alunxs que foram a Marcha das Vadias e ficaram encantadxs e com tudo aquilo, da nova feminista radical que essa experiência produziu. Esperança de ver performances corporais não-heteronormativas persistirem, mesmo com histórico de perseguição.

Tristeza de ver profissionais desmotivados. Além das más condições de trabalho, tristeza pelas más condições de se desejar trabalhar!

Motivações muitas! Por todxs eles que estão lá sentados estão a espera de conhecimento, a espera de poderem se expressar e também produzir novos saberes. Por aquelxs que gostam de estar na escola, que gostam de viver a escola, por aquelxs que não puderam  estar nela, e que não querem estar nela - motivado a fazê-lxs gostar daquele espaço, fazer dessa experiência algo marcante positivamente. Pelas que não tem dinheiro para ir, pelas que tem filhx (e pelos filhxs delas), pelas que desistiram.
Motivação a fazer diferente, somar com quem acredita, importunar quem já desistiu, e insistir! 
Eu só sei insistir.

domingo, 11 de novembro de 2012

SIMPÓSIO: Diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos na UnB

http://www.fe.unb.br/noticias/simposio-diretrizes-nacionais-para-a-educacao-em-direitos-humanos-na-unb
Nos dias 12 e 13 de novembro 2012 no auditório da Reitoria da UnB haverá o simpósio "Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos na UnB". Inscrições no local do evento.

Programação completa em: http://www.fe.unb.br/arquivos/folder_educacaodhunb/at_download/file